29 dezembro, 2006
Feliz Ano Novo
Que 2007 seja um ano inesquecível, cheio de realizações e de momentos felizes de preferência na nossa companhia e com um bom livro por perto.
Boas entradas!!
Ai Apolo!
"-Oh romanos! pois acreditais que em Galileia ou Judeia apareçam profetas consumando milagres? Como pode um bárbaro alterar a Ordem instituída por Zeus?... Mágicos e feiticeiros são vendilhões, que murmuram palavras ocas, para arrebatar a espórtula dos simples... Sem a permissão dos Imortais nem um galho seco pode tombar da árvore, nem seca folha pode ser sacudida na árvore. Não há profetas, não há milagres... Só Apolo Délfico conhece o segredo das coisas."
In Suave Milagre, Eça de Queirós
Não fazia ideia que era o Deus das doenças...
27 dezembro, 2006
Mar da Galileia
"Nesse tempo Jesus ainda se não afastara da Galileia e das doces, luminosas margens do lago de Tiberíade: – mas a nova dos seus Milagres penetrara já até Enganim, cidade rica, de muralhas fortes, entre olivais e vinhedos, no país de Issacar."
In Suave Milagre, Eça de Queirós.
22 dezembro, 2006
18 dezembro, 2006
A Biblioteca
17 dezembro, 2006
Clássico Orestes
"Não teve sarampo e não teve lombrigas. Nunca padeceu, mesmo na idade em que se lê Balzac e Musset, os tormentos da sensibilidade. Nas suas amizades foi sempre tão feliz como o clássico Orestes."
A semana do Eça
Esta semana vamos ler o conto de Eça de Queirós Civilização. Na semana seguinte é o Suave Milagre também de Eça, um conto de Natal, tinha de ser, certo?
Quem já leu os contos, sugiro que comece com o Pedro Canais e a Lenda de Martim Regos (sugestão para o mês de Janeiro) é um livro grande, que vai dar luta, está escrito em português do século quinze. Mas o enredo promete.
Boas leituras.
P.S: Ainda não decidimos o local do próximo encontro, espero sugestão vossas.
15 dezembro, 2006
08 dezembro, 2006
Divertido
Gostei do conto de Mário de Carvalho. Gostei da forma como está escrito. Ainda não li nenhum romance dele mas fiquei com vontade, não sei se repararam mas os títulos das suas obras são sempre extensos e diferentes, aguçam a curiosidade.
Sesta
"0 grande Homero às vezes dormitava, garante Horácio. Outros poetas dão-se a uma sesta, de vez em quando, com prejuízo da toada e da eloquência do discurso. Mas, infelizmente, não são apenas os poetas que se deixam dormitar. Os deuses também."
07 dezembro, 2006
O último encontro foi...
05 dezembro, 2006
Clio, a musa da História
Era a musa da história e da criatividade, aquela que divulgava e celebrava realizações. É representada como uma jovem coroada de louros, trazendo na mão direita uma trombeta e, na esquerda, um livro intitulado "Thucydide". Outras representações suas apresentam-na segurando um rolo de pergaminho e uma pena, atributos que, às vezes, também acompanham Calíope. Clio é considerada a inventora da guitarra. Em algumas de suas estátuas traz esse instrumento em uma das mãos e, na outra, um plectro.
04 dezembro, 2006
Leituras de Dezembro ...
- A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho de Mário de Carvalho
- Marido de Lídia Jorge
- Civilização de Eça de Queirós
- Suave Milagre de Eça de Queirós
01 dezembro, 2006
Post it
O encontro do À Volta das letras é já este Domingo. Desta vez vai ser no Museu Nacional de Arte Antiga às 10h00, o ponto de encontro é na cafetaria.
São todos bem vindos tenham lido ou não o livro.
Apareçam...
30 novembro, 2006
Francisco de Goya
28 novembro, 2006
Beleza ..
P. 153
23 novembro, 2006
Mas quem é que não gosta? (*)
"Gostava de rapazes de bom parecer, não só os que jogavam hóquei e que passavam ao domingo no passeio fronteiro; mas também de operários, de cabelos soltos e mal cortados (...)"
In A Ronda da noite, pág. 126
(*) Post a pedido da Laranjinha
22 novembro, 2006
Antigamente era assim ...
Os lojistas esperavam pacientemente pelos clientes. «Hoje já não há gente dessa.»
As raparigas casadoiras faziam enxoval. Havia jantar no dia do pedido da filha ao pai por parte do rapaz.
Até início do século XX houve o hábito de presentear as criadas com ouro.
Só depois da segunda Guerra Mundial é que as pessoas começaram a viajar. Só os ricos iam para a neve.
Antigamente ser calista era uma arte.
«Os saldos são o cerimonial do comércio que dantes ocorria de maneira muito imaginativa.
- Não é muito caro?
- Faço um abatimento por ser para si.»
Quando entramos numa loja, normalmente, não regateamos o preço. Limitamo-nos a pagar o que está na etiqueta.
O dono da loja, que fazia os descontinhos, hoje em dia é uma figura um pouco abstracta. Actualmente, regatear os preços só se for em mercados ou numa ou outra feira. Mas para regatear é preciso ter arte.
21 novembro, 2006
Figuras & personalidades
A cozinheira Ana é comparada à fada Carabosse. Para quem se lembra da história da Bela Adormecida, esta é a fada má.
20 novembro, 2006
Camille Claudel
19 novembro, 2006
Calibã
Sons, doces melodias, que deleitam sem ferir.
Por vezes sons agudos de mil instrumentos
Zumbem aos meus ouvidos; outras vezes são vozes
Que me fazem adormecer mesmo quando desperto
Após um prolongado sono. E então, em sonhos,
Parece-me que as nuvens se abrem mostrando riquezas
Prestes a cair sobre mim, e, quando acordo,
Desespero por adormecer de novo.»
in A Tempestade, Campo das Letras, P. 96
Está dito ...
P. 50
«É o que acontece com as coisas bonitas - Não têm muita serventia.»
P. 52
«Os defeitos dos outros favorecem o próprio ego» P. 59
«Não temos filhos temos herdeiros quando a morte se aproxima» P. 60
«O poder está no homem» P. 103
Rembrandt e Agustina - a profundidade psicológica das suas narrativas
Os artistas do século XVII recorriam a cenas da história, da Bíblia, da mitologia clássica e do mundo antigo, considerando-as a forma mais elevada de arte. Rembrandt é conhecido pela faculdade de penetrar no âmago duma história. Ele sabia escolher o momento decisivo e como representá-lo de forma efectiva. Isto torna-o um fantástico contador de histórias, capaz de compreender a psicologia das mesmas. Em muitos dos seus quadros, é evidente que Rembrandt havia estudado as emoções e pensamentos que motivaram as suas personagens, levando o espectador a sentir empatia com elas.
"Agustina parece sempre ter vivido dentro e fora do tempo, numa espécie de observatório clínico da alma humana, captando-lhe o imortal enigma sob as mortais vestes dos dias. Cedo se deixou viciar pelo romance, iluminada roleta dos comportamentos humanos […] Tem construído uma visão do mundo original, integrando intuição e racionalismo numa espécie de sabedoria capaz de captar a essência de uma época.
Sob um estilo aparentemente clássico, a autora estilhaça todas as regras convencionais da criação de presonagens e de desenvolvimento da acção: as personagens – em particular os homens- são intrinsecamente virtuais ( imprevisíveis, permeáveis, porosas), a acção deixa-se contaminar pelas múltiplas recriações da memória de acções anteriores. " [1]
[1] PEDROSA, Inês, 20 mulheres para o século XX
Texto de Cristina Basílio enviado por email.
17 novembro, 2006
Mito?
In A Ronda da Noite, pág. 118
Será que preferem mesmo?
15 novembro, 2006
Galateia
14 novembro, 2006
Nos dias de hoje
Assim é que é falar!
In A Ronda da Noite, pág.35
13 novembro, 2006
Messalina e Agripina
09 novembro, 2006
Aborto
Passados dias Patrícia Xavier morreu e aquilo entendeu-se como um desastre. Os médicos calaram-se no diagnóstico, o que levantou mais suspeitas, tanto mais que ela tinha recorrido a uma parteira e não teve a assistência do tal experiente arrombador de cofres.»
in A Ronda da Noite, p. 16 e 17,
Não se sabe ao certo quantos abortos clandestinos se fazem, em Portugal, por ano. Calcula-se que muitos. Algumas destas mulheres morrem. E porquê? Por que motivo se continua a legislar sem olhar para a realidade?
08 novembro, 2006
A relação entre novos e velhos ...
Agustina refere o mau humor de Martinho a ter que ajudar publicamente a avó. O ser visto com os velhos cria um mau estar perante os outros. Um mau estar social, como que se quem precisasse de ajuda é quem está a ajudar ou, como se aquela ajuda fosse uma forma de menorização, uma certa vergonha, perante os outros.
Acho que nos voltamos a "reconciliar" com a velhice quando crescemos interiormente, quando percebemos que não vamos mudar o mundo e que o envelhecer é um processo que todos acompanhamos.
06 novembro, 2006
Um bocadinho da sua história pessoal
Filmes
1993 - Vale Abraão, de Manoel de Oliveira, romance Vale Abraão
1995 - O Convento, de Manoel de Oliveira, com Catherine Denevue e John Malkovich, romance As Terras do Risco
1998 - Inquietude, de Manoel de Oliveira, conto A Mãe de um Rio, Prémio Globo de Ouro (1999) para a melhor realização
2002 - O Princípio da Incerteza, de Manoel de Oliveira, romance O Princípio da Incerteza
2005 - Espelho Mágico, de Manoel de Oliveira, romance A Alma dos Ricos
Ela por Ela
05 novembro, 2006
A Ronda da Noite ( De Nachtwacht ) por ... Rembrandt
"It was first hung in the Arquebusier's hall the Kloveniersdoelen in Amsterdam in the 'Groote Zaal', Great Hall. This is now known as the Doelen Hotel. In 1715 it was moved to the Amsterdam town hall, for which it was altered. When Napoleon occupied the Netherlands, the town hall became the Palace on the Dam. The magistrates moved the painting to the Trippenhuis of the family Trip. Napoleon ordered it back, but after the occupation the painting was moved to the Trippenhuis again, which had now become the Rijksmuseum, and was moved to the new Rijksmuseum building when it was finished in 1885. Its last major movement was during the Second World War, when it was kept in a secure bunker under the hills of Limburg for over five years, detached from its frame and rolled around a cylinder. It was restored to the Rijksmuseum after the war."
( in Wikipedia )
Estivemos lá!
Perceber como construíram o enredo, as personagens, os cenários... Foi mesmo muito bom!
Vamos ver se conseguimos que mais escritores venham aos encontros.
A próxima sugestão de leitura é A Ronda da Noite de Agustina Bessa Luís, finalmente uma mulher, o encontro ficou para dia 3 de Dezembro às 10h30 no Museu de Arte Antiga.
Boa leitura.
Foi assim...
Jorge Araújo e Pedro Sousa Pereira, os autores do Paralelo 75 ou O segredo de um coração traído, compareceram tal como combinado ao nosso encontro. Foi uma manhã muito animada, nem demos pelo tempo passar.
Jorge e Pedro são excelentes contadores de histórias, muito bem dispostos. Esclarecemos algumas questões não só sobre o livro que lemos mas também do Nem tudo começa com um beijo, o segundo livro que escreveram.
Por fim, ofereceram-nos o seu primeiro livro Comandante Hussi, que vamos ler com muito prazer depois de nos terem falado dele com tanto carinho.
Queremos também ir ao teatro ver Nem tudo começa com o beijo que está em cena pela mão da companhia Teatroesfera.
Resta-nos agradecer a disponibilidade e simpatia de Jorge Araújo e Pedro Sousa Pereira, cá ficamos à espera de novas histórias.
03 novembro, 2006
Encontro
02 novembro, 2006
Post it
Apareçam.
Fundação Calouste Gulbenkian
31 outubro, 2006
Citação
António Lobo Antunes, Biblioteca de Oeiras, Novembro 2006
Expressão artística
Portugal manteve a produção de azulejos, podemos hoje ver esta forma de expressão artística em quase todos os palácios, igrejas,mosteiros.
30 outubro, 2006
Lover Come Back
No livro a personagem James Clark, (mais conhecido pelo cowboy americano), fala num filme “Volta meu Amor”, em que contracenaram Rock Hudson e Doris Day.
O filme com o título original de “Lover Come Back” foi lançado nos EUA em 1961, recebeu uma indicação de Óscar, na categoria de melhor roteiro original.
Fiquei com curiosidade de ver o filme.
Receita Angolana
In Paralelo 75, pág. 154
Lavam-se os inhames em água corrente esfregando-os com um piaçaba para os limpar bem da terra.
Colocam-se os inhames num tacho, cobertos de água temperada com sal. Levam-se a cozer em lume brando, devendo a água evaporar completamente. Voltam a cobrir-se de água, que deve ferver até evaporar como a anterior. Dizem que para ficarem bem cozidos, os inhames devem secar três vezes a água. No entanto há quem os coza longamente acrescentando a água à medida que se vai evaporando e há ainda quem os coza na panela de pressão (1 hora e meia). Depois de cozidos, descascam-se e servem-se quentes ou frios como acompanhamento ou ainda cortados ás rodelas grossas e fritos em óleo bem quente. São um bom petisco com chouriço assado ou frito. Há também quem coma o inhame com açúcar ou melaço.
Em São Miguel dão o nome de «minhotos» aos inhames pequenos. A este tubérculo dão na generalidade da região açoriana o nome de «tocas». Para os arranjar, a maior parte das pessoas usa luvas, pois os inhames provocam picadelas e comichão. Dizem que estas desaparecem assim que a água de os cozer começa a ferver
26 outubro, 2006
Expressões populares
(...)
O senhor engenheiro deu uma gargalhada que fez com que Euclides Carrapato arrepiasse caminho.
(...)
-Senhor Engenheiro, o mata-bicho já está servido."
In Paralelo 75
- Foi rés vés Campo de Ourique
- Mudar a águas as azeitonas
-Aqui há gato!
- Cabeça de alho xoxo
- Cruzes canhoto
- Macacos me mordam
- Tapar o sol com uma peneira
- Os amigos conhecem-se no hostipal e na cadeia
- Nem oito nem 80
- Matar dois coelhos com uma cajadada só
- Levar água ao seu moinho
- Há Mouro na costa
- Ainda aí passarinho verde
- Há mais de 7 sábados
- Fazer trinta por uma linha
- Gaba-te cesta que vais à feira
E vocês conhecem alguma expressão gira?
24 outubro, 2006
O Segredo de um Coração Traído
A Balançar ao vento
Sem ela
Depois dela
Perdi o norte
E dancei na chama
Sem sela.
Depois dela
Procurei a estrela
E caminhei pela memória
Sem trela.
Depois dela
Emprestei a alma
E encontrei um vagabundo
Sem terra
Depois dela
Fiquei assim
Sem mim
E sem ela.
In Paralelo 75,p. 263
Um POEMA, era o segredo mais bem guardado pelo Sr. Engenheiro!!!
O poema que escreveu quando a mulher o abandonou pelo cowboy americano, desde esse dia o Sr. Engenheiro deixou-se morrer.
Noites Africanas
Noite
Noites africanas langorosas, esbatidas em luares,
perdidas em mistérios
Há cantos de tungurúluas pelos ares!
Noites africanas endoidadas,
onde o barulhento frenesi das batucadas,
põe tremores nas folhas dos cajueiros
Noites africanas tenebrosas,
povoadas de fantasmas e de medos,
povoadas das histórias de feiticeiros
que as amas-secas pretas,
contavam aos meninos brancos...
E os meninos brancos cresceram,
e esqueceram
as histórias...
Por isso as noites são tristes...
Endoidadas, tenebrosas, langorosas,
mas tristes... como o rosto gretado,
e sulcado de rugas, das velhas pretas...
como o olhar cansado dos colonos,
como a solidão das terras enormes
mas desabitadas...
É que os meninos brancos,
esqueceram as histórias, com que as amas-secas pretas
os adormeciam, nas longas noites africanas...
Os meninos-brancos... esqueceram!...
Alda Lara (Poetisa Angolana 1930-1962)
1948-Outubro (Poemas1966)
In Paralelo 75, pág. 155
23 outubro, 2006
Santa Lídina
"Quando o sr. Engenheiro chega à fazenda e entra no que resta da capela, repara que a imagem de Santa Lídina "foi pregar para outra freguesia".
Para saber mais ver aqui.
22 outubro, 2006
A importância de uma árvore ...
in Paralelo 75, p. 72
Segundo o livro o Sr. Engenheiro gostava muito do metrossidero da Praça da Alegria, porque esta árvore lhe fazia lembrar a sua terra. Em África, foi junto ao metrossidero, que o seu avô plantou, que foi sepultado.
Um destes dias ainda passo na Praça da Alegria para ver se lá está algum metrossidero. Em flor deve ser lindo.
Porquê esta árvore? O livro refere que se adapta muito bem a condições adversas. Será essa a razão?
É metrossidero ou metrosídero?
Na Nova Zelândia estas árvores florescem em Dezembro e Janeiro. Por esse motivo, lá, são conhecidas como árvores de natal. Pelas fotos que vi, são lindas.
A morte do Sr. Engenheiro
Fiquei com a sensação que o Orelhas ajudou a acabar com o sofrimento do seu amigo Daniel.
20 outubro, 2006
O estado actual da nossa literatura ....
O Velho e o Mar
19 outubro, 2006
Imagens de Quitexe
Ford Taunus
"- Não aguenta de certeza absoluta - concordou o filho. E era verdade. Há muito que o Ford Taunus do antigo motorista da Companhia Colonial dos Cafés não tinha pedalada para aguentar uma viagem tão arriscada."
18 outubro, 2006
Terras do Mundo Perdido
Santa Lídina
Sabem quem foi esta Santa? O que fez? Procurei no Google, mas não encontrei nada.
16 outubro, 2006
As Terras do Mundo Perdido
“(...)Ao terceiro dia de viagem, a carrinha de Euclides Carapato penetrou na floresta cerada. A folhagem luxuriante abafou a paisagem, o sol eclipsou , a temperatura baixou, a humidade subiu, o cheiro húmido da terra invadiu as narinas. Foi certamente este cheiro típico de África que acordou o Sr. Engenheiro. (...)”
In Paralelo 75, p.136
Podemos a imaginar a sensação que o Sr. Engenheiro teve ao regressar a África, à sua fazenda aos locais onde viveu durante tantos anos.
Quantas vezes sentimos a necessidade de voltar a lugares e a viver situações que guardamos na nossa memória?
15 outubro, 2006
A chegada a Lisboa
(...) Um mundo a que a maioria apenas conhecia de ter ouvido falar.»
«Era uma verdadeira luta para se conseguir lugar no avião, até vinha gente sentada no chão (...) muitas vezes as bagagens ficavam em terra, a multidão a protestar, a descarregar insultos, e quando se apercebiam que não podiam trazer mais do que a roupa que tinham no corpo, desatavam a chorar. De raiva. »
in Paralelo 75, P. 24 e 82
Pela descrição do livro, a chegada a Lisboa era um choque para muitos, especialmente para aqueles que já nasceram em África. Apercebemo-nos da enorme confusão que deve ter sido.
Para saber um pouco mais sobre a nossa presença em Moçambique, clique aqui.
13 outubro, 2006
Retornado
Dicionário Língua Portuguesa Contemporânea / Academia das Ciências de Lisboa
12 outubro, 2006
Desafio ...
Este é um momento da nossa história de que ainda se fala pouco. E, pelo que sei, não recebemos de forma digna os chamados "retornados" .
Gostaria de lançar aqui um desafio: convido-vos a partilharem connosco histórias/experiências de que tenham conhecimento ou que algum familiar viveu. Para isso, podem colocar comentários ou enviar-nos os vossos textos ou outros elementos (fotos, cartas, postais, etc ...) por email.
A leitura deste livro pode ser uma forma de darmos a conhecer histórias individuais, de pessoas comuns, que viveram parte da nossa história que ainda está adormecida.
Muitas são as questões que poderia continuar a colocar. No entanto, fica aqui o desafio, por agora apenas ligado à vida nas colónias e ao retorno a Portugal. A seu tempo será alargado à Guerra Colonial.
11 outubro, 2006
Motivações
A Morte com Aviso
10 outubro, 2006
Biografia
Jorge Araújo autor dos livros Paralelo 75 ou O Segredo de um Coração Traído , do Nem tudo começa com um beijo e Timor, o Insuportável Ruído das Lágrimas nasceu em Cabo Verde é formado em comunicação social e teatro pela Universidade Católica de Lovaina. Trabalhou na BBC, em Portugal fez parte da equipa do jornal o Independente e da TVI, ganhou o Grande Prémio Gazeta do Clube de Jornalistas (1999) e foi galardoado com o Prémio AMI - Jornalismo contra a Indiferença (2003).
Pedro Sousa Pereira é o responsável pelas ilustrações dos dois livros que Jorge Araújo escreveu Paralelo 75 ou o segredo do coração partido, do Nem tudo começa com um beijo. Nasceu em Angola em 1966, é formado em comunicação social pela Escola Superior de Jornalismo do Porto. Actualmente jornalista da SIC já pertenceu ao Comércio do Porto, participou na fundação da Rádio Nova e integrou a redacção da Rádio Macau. É também autor de um disco sobre os anos de prisão de Xanana Gusmão e participou noutro sobre o general Humberto Delgado. Em 2003, venceram o Prémio Literatura Gulbenkian com o livro Comandante Hussi.
Os dois autores conheceram-se em Dili, Timor Leste em 1999 e ficaram grandes amigos.
08 outubro, 2006
Visita ao Convento
Encontro À Volta das Letras
A conversa começou com o balanço do livro do mês de Setembro, Memorial do Convento de Saramago. Muitas foram as questões colocadas: - a escrita de Saramago, as personagens Blimunda e Sete-Sóis, as particularidades da sociedade do século XVIII, o comportamento do clero, a pobreza do povo, as figuras históricas do romance e o próprio convento.
O livro do mês de Outubro é Paralelo 75 ou O Segredo de um Coração Traído de Jorge Araújo e Pedro Sousa Pereira. Esta obra foi escolhida entre várias propostas, nomeadamente O Último Papa de Luís Miguel Rocha, Deixei o meu Coração em África de Manuel Arouca, A Costa dos Murmúrios de Lídia Jorge, Longe de Manaus de Francisco José Viegas e Codex 632 de José Rodrigues dos Santos. Relembro que o À Volta das Letras definiu como objectivo a escolha, para as propostas de leitura, de autores portugueses ou autores/obras que de alguma forma se relacionem com Portugal.
O próximo encontro será no dia 5 de Novembro, às 10h30 na Fundação Calouste Gulbenkian, mais concretamente, na esplanada da cafetaria/restaurante existente no edifício do Museu Gulbenkian.
06 outubro, 2006
Post it
03 outubro, 2006
Blimunda......porquê?
Já alguma vez se questionaram porque é que Saramago escolheu o nome Blimunda para uma das personagens principais do livro?
Será que o nome é uma consequência da forma rara e estranha de ser da personagem?
Vejam a entrevista a Saramago onde ele explica a sua escolha.
"Muitas vezes me perguntei: porquê este nome? Recordo-me de como o encontrei, percorrendo com um dedo minuncioso, linha a linha, as colunas de um vocabulário onomástico, à espera de um sinal de aceitação que haveria de começar na imagem decifrada pelos olhos para ir consumar-se, por ignoradas razões, numa parte adequadamente sensível do cérebro. Nunca, em toda a minha vida, nestes quantos milhares de dias e horas somados, me encontrara com o nome de Blimunda, nenhuma mulher em Portugal, que eu saiba, se chama assim.
(...)Tentando, nesta ocasião, destrinçar aceitavelmente as razões finais da escolha que fiz, seria uma primeira razão a de ter procurado um nome estranho e raro para dá-lo a uma personagem que é, em si mesma, estranha e rara. De facto, essa mulher a quem chamei Blimunda, a par dos poderes mágicos que transporta consigo e que por si sós a separam do seu mundo, está constituída, enquanto pessoa configurada por uma personagem, de maneira tal que a tornaria inviável, não apenas no distante século XVIII em que a pus a viver, mas também no nosso próprio tempo. Ao ilogismo da personagem teria de corresponder, necessariamente, o próprio ilogismo do nome que lhe ia ser dado. Blimunda não tinha outro recurso que chamar-se Blimunda.
Ou talvez não seja apenas assim.
(...)Que outra condição, então, que razão profunda, porventura sem relação com o sentido inteligível das palavras, me terá levado a eleger esse nome entre tantos? Creio que sei a resposta, que ela me acaba de ser apontada por esse outro misterioso caminho que terá levado Azio Gorghi a denominar Blimunda uma ópera extraída de um romance que tem por título Memorial do Convento: essa resposta, essa razão, acaso a mais secreta de todas, chama-se Música. Terá sido, imagino, aquele som desgarrador de violoncelo que habita o nome de Blimunda, profundo e longo, como se na própria alma humana se produzisse e manifestasse, que me levou, sem nenhuma resistência, com a humildade de quem aceita um dom de que não se sente merecedor, a recolhê-lo num simples livro, à espera, sem o saber, de que a Música viesse recolher o que é sua exclusiva pertença: essa vibração última que está contida em todas as palavras e em algumas magnificamente."
SARAMAGO, José, in Jornal de Letras, Lisboa, 15 de Maio de 1990, pág. 29.
Ponto de encontro
O nosso encontro, como já todos devem saber, é no próximo Domingo às 10h30. Como o Convento de Mafra não tem cafetaria temos de nos encontrar num cafézinho que fica mesmo em frente, chama-se Sete Sóis (porque será?) e tem esplanada.
Depois de bebermos um cafézinho e conversarmos à volta do(s) livro(s), vamos visitar o Convento (gratuito até as 14h).
Apontem nas agendas e mais uma vez relembro, mesmo que não tenham lido o livro, apareçam pois garanto-vos que não são os únicos.
02 outubro, 2006
Ler Saramago ...
Inicialmente, achei muito densa a sua maneira de escrever. Parágrafos grandes, frases quase do tamanho dos parágrafos e muitas vírgulas. Mas, como o primeiro livro que li foi O Ensaio sobre a Cegueira, que me arrebatou do princípio ao fim, rapidamente ultrapassei esses preconceitos em relação à sua escrita.
Quando leio Saramago tenho que estar concentrada para poder entrar nas suas palavras, perceber o seu sentido crítico e deixar-me transportar pela imaginação através do texto. Sinto nos seus livros muito sentido de humor.
E vocês, o que vos leva a ler ou a não ler Saramago?
01 outubro, 2006
Lisboa no Memorial do Convento
«(...) a cidade é imunda , alcatifada de excrementos, de lixo, de cães lazarentos e gatos vadios, e lama mesmo quando não chove.» P. 24
«(...) da pocilga que é Lisboa» P. 24
«Lisboa cheira mal, cheira a podridão (...).» P.24
«Lisboa derramava-se para fora das muralhas. Via-se o castelo lá no alto, as torres das igrejas dominando a confusão das casas baixas, a massa indistinta das empenas» P. 36
Certo é que a Lisboa do século XXI muitas diferenças tem da do reinado de D. João V e ainda bem. Mas, no entanto, há dias em que Lisboa cheira mal. Hoje foi um deles, na zona da Expo, perto da marina, ao final do dia, andava no ar um cheiro nauseabundo.
Outro aspecto que me incomoda, eu que me farto de andar a pé, é que os animaizinhos de estimação deixem presentes pelos passeios da cidade, com o consentimento dos seus donos. E, infelizmente ainda temos algumas ruas feias, cinzentas da poluição e com lixo pelo chão, especialmente devido à falta de civismo de alguns cidadãos que deixam a reciclagem, não no respectivo contentor, mas ao lado. Ou, como já tenho visto, simplesmente mandam o lixo para o chão. Retiram o último cigarro do maço e, naturalmente, amarrotam e mandam para o chão, é a publicidade que recebem na rua ou o papel do gelado ... tudo para o chão, pois claro!
Curiosidade ...
Para quem já visitou o Museu, percebe que D. João acomodou muito bem a sua amante.
30 setembro, 2006
Infante D. Francisco, mais um personagem da nossa História
in Memorial do Convento, Ed. RBA, P. 77
O que passaria na cabeça do infante D. Francisco para ver divertimento onde os outros vêem sofrimento e falta de humanidade? Divertia-se a atirar sobre os marinheiros. Que tipo de homem era este D. Francisco?
Agora percebo os receios e os sonhos da rainha. O infante D. Francisco ambicionava a coroa e chegava, na ausência do rei, a cortejar a rainha, sua cunhada.
28 setembro, 2006
Uma mulher grávida ...
in Memorial do Convento, Ed. RBA, p. 67
As mulheres têm o privilégio de gerarem e trazerem dentro de si um ser. No entanto, para equilibrar esse privilégio são elas que sofrem as dores de o parir.
27 setembro, 2006
Ainda a propósito...
Bartolomeu de Gusmão, o padre Voador
És um homem [padre Bartolomeu dirigindo-se a Baltasar ] natural, nem cascos de mula nem asas de passarola, É assim que se chama a sua máquina, perguntou Baltasar, e o padre respondeu, Assim lhe têm chamado por desprezo.
Mas o que é certo, é que o nome do padre Bartolomeu de Gusmão ficou para sempre associado à construção do primeiro balão de ar quente .
Inquisição
O Santo Ofício tinha um imenso poder e as pessoas caiam em desgraça por muito pouco, às vezes bastava a inveja do vizinho. Mas custa-me a compreender a atitude das pessoas nesta época. Depois de um espectáculo de humilhação e morte as pessoas fazem como se nada fosse. Dançam felizes e contentes como se nada se tivesse passado? Ou, como se o que se passou foi muito bem feito, pois era esse o devido castigo?
Sobre a inquisição em Portugal aconselho O Último Cabalista de Lisboa e Meia-Noite ou O Princípio do Mundo de Richard Zimler, que traduzem o ambiente e as perseguições feitas em especial aos marranos.
A nossa sociedade evoluiu, mas sabemos que em pleno século XXI a morte e a humilhação, em algumas partes do mundo, continuam a ser práticas correntes. E isto é grave.
26 setembro, 2006
Missas animadas
In pág. 31, Memorial do Convento
Agora percebo porque se ia tanto a igreja...
24 setembro, 2006
Percevejos
"Quando a cama aqui foi posta e armada, ainda não havia percevejos nela, tão nova era, mas depois, com o uso, o calor dos corpos, as migrações no interior do palácio, ou da cidade para dentro, donde este bichedo vem é que não se sabe. [...] Em noites que vem el-rei, os percevejos começam a atormentar mais tarde por via da agitação dos colchões, são bichos que gostam de sossego e gente adormecida. Lá na cama do rei estão outros à espera do seu quinhão de sangue, que não acham nem pior nem melhor que o restante da cidade, azul ou natural."
O percevejo, como bicho democrático que é, atormentou os leitos de pobres e ricos. Nem reis nem rainhas escaparam às suas picadelas infernais!
Esta falta de higiene que se manteve até ao século XIX arrepia-me. E os percevejos não são disso o único exemplo. As pessoas eram enterradas nas Igrejas e sentia-se o cheiro a carne podre durante as missas, e Lisboa era uma cidade afundada em porcaria. Saramago também nos conta o ambiente vivido na cidada das sete colinas:
"... a cidade é imunda, alcatifada de excrementos, de lixo, de cães lazarentos e gatos vadios, e lama mesmo quando não chove."
De facto, Lisboa era uma pocilga. Os penicos eram despejados para a rua, sendo o único aviso dos que nela transitavam a frase "água vai". Depois deste sinal, era fugir a sete pés!
Definitivamente, o "cheira bem, cheira a Lisboa" não se aplicava nestes tempos...
Santo António
A fé no poder de Santo António para encontrar objectos perdidos mantém-se até aos dias de hoje. Aqui fica um responso ao santo, oração que ajuda a localizar o que se perdeu:
Se milagres desejais,
recorrei a Santo António;
Vereis fugir o demónio
e as tentações infernais.
Recupera-se o perdido,
rompe-se a dura prisão,
e no auge do furacão
cede o mar embravecido.
Pela sua intercessão
foge a peste, o erro, a morte,
e o fraco torna-se forte
e torna-se o enfermo são.
(repete-se Recupera-se o perdido...)
Todos os males humanos
se moderam, se retiram,
digam-nos os que o viram;
Digam-no os paduanos.
(repete-se Recupera-se o perdido...)
23 setembro, 2006
Nobel Lecture
De como a personagem foi mestre e o autor seu aprendiz
O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. Viviam desta escassez os meus avós maternos, da pequena criação de porcos que, depois do desmame, eram vendidos aos vizinhos da aldeia, Azinhaga de seu nome, na província do Ribatejo. Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro. No Inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama. Debaixo das mantas grosseiras, o calor dos humanos livrava os animalzinhos do enregelamento e salvava-os de uma morte certa. Ainda que fossem gente de bom carácter, não era por primores de alma compassiva que os dois velhos assim procediam: o que os preocupava, sem sentimentalismos nem retóricas, era proteger o seu ganha-pão, com a naturalidade de quem, para manter a vida, não aprendeu a pensar mais do que o indispensável. Ajudei muitas vezes este meu avô Jerónimo nas suas andanças de pastor, cavei muitas vezes a terra do quintal anexo à casa e cortei lenha para o lume, muitas vezes, dando voltas e voltas à grande roda de ferro que accionava a bomba, fiz subir a água do poço comunitário e a transportei ao ombro, muitas vezes, às escondidas dos guardas das searas, fui com a minha avó, também pela madrugada, munidos de ancinho, panal e corda, a recolher nos restolhos a palha solta que depois haveria de servir para a cama do gado. E algunas vezes, em noites quentes de Verão, depois da ceia, meu avô me disse: "José, hoje vamos dormir os dois debaixo da figueira." Havia outras duas figueiras, mas aquela, certamente por ser a maior, por ser a mais antiga, por ser a de sempre, era, para todas as pessoas da casa, a figueira. Mais ou menos por antonomásia, palavra erudita que só muitos anos depois viria a conhecer e a saber o que significava... No meio da paz nocturna, entre os ramos altos da árvore, uma estrela aparecia-me, e depois, lentamente, escondia-se por trás de uma folha, e, olhando eu noutra direcção, tal como um rio correndo em silêncio pelo céu côncavo, surgia a claridade opalescente da Via Láctea, o Caminho de Santiago, como ainda lhe chamávamos na aldeia. Enquanto o sono não chegava, a noite povoava-se com as histórias e os casos que o meu avô ia contando: lendas, aparições, assombros, episódios singulares, mortes antigas, zaragatas de pau e pedra, palavras de antepassados, um incansável rumor de memórias que me mantinha desperto, ao mesmo tempo que suavemente me acalentava. Nunca pude saber se ele se calava quando se apercebia de que eu tinha adormecido, ou se continuava a falar para não deixar em meio a resposta à pergunta que invariavelmente lhe fazia nas pausas mais demoradas que ele calculadamente metia no relato: "E depois?" Talvez repetisse as histórias para si próprio, quer fosse para não as esquecer, quer fosse para as enriquecer com peripécias novas. Naquela idade minha e naquele tempo de nós todos, nem será preciso dizer que eu imaginava que o meu avô Jerónimo era senhor de toda a ciência do mundo. Quando, à primeira luz da manhã, o canto dos pássaros me despertava, ele já não estava ali, tinha saído para o campo com os seus animais, deixando-me a dormir. Então levantava-me, dobrava a manta e, descalço (na aldeia andei sempre descalço até aos 14 anos), ainda com palhas agarradas ao cabelo, passava da parte cultivada do quintal para a outra onde se encontravam as pocilgas, ao lado da casa. Minha avó, já a pé antes do meu avô, punha-me na frente uma grande tijela de café com pedaços de pão e perguntava-me se tinha dormido bem. Se eu lhe contava algum mau sonho nascido das histórias do avô, ela sempre me tranquilizava : "Não faças caso, em sonhos não há firmeza". Pensava então que a minha avó, embora fosse também uma mulher muito sábia, não alcançava as alturas do meu avô, esse que, deitado debaixo da figueira, tendo ao lado o neto José, era capaz de pôr o universo em movimento apenas com duas palavras. Foi só muitos anos depois, quanto o meu avô já se tinha ido deste mundo e eu era um homem feito, que vim a compreender que a avó, afinal, também acreditava em sonhos. Outra coisa não podería significar que, estando ela sentada, uma noite, à porta da sua pobre casa, onde então vivia sozinha, a olhar as estrelas maiores e menores por cima da sua cabeça, tivesse dito estas palavras: "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer". Não disse medo de morrer, disse pena de morrer, como se a vida de pesado e contínuo trabalho que tinha sido a sua estivesse, naquele momento quase final, a receber a graça de uma suprema e derradeira despedida, a consolaçao da beleza revelada. Estava sentada à porta de uma casa como não creio que tenha havido alguma outra no mundo porque nela viveu gente capaz de dormir com porcos como se fossem os seus próprios filhos, gente que tinha pena de ir-se da vida só porque o mundo era bonito, gente, e este foi o meu avô Jerónimo, pastor e contador de histórias, que, ao pressentir que a morte o vinha buscar, foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a ver.
Muitos anos depois, escrevendo pela primeira vez sobre este meu avô Jerónimo e e esta minha avó Josefa (faltou-me dizer que ela tinha sido, no dizer de quantos a conheceram quando rapariga, de uma formosura invulgar), tive consciência de que estava a transformar as pessoas comuns que eles haviam sido em personagens literárias e que essa era, provavelmente, a maneira de não os esquecer, desenhando e tornando a desenhar os seus rostos com o lápis sempre cambiante da recordação, colorindo e iluminando a monotonia de um quotidiano baço e sem horizontes, como quem vai recriando, por cima do instável mapa da memória, a irrealidade sobrenatural do país em que decidiu passar a viver. A mesma atitude de espírito que, depois de haver evocado a fascinante e enigmática figura de um certo bisavô berbere, me levaria a descrever mais ou menos nestes termos um velho retrato (hoje já com quase oitenta anos) onde os meus pais aparecem: "Estão os dois de pé, belos e jovens, de frente para o fotógrafo, mostrando no rosto uma expressão de solene gravidade que é talvez temor diante da câmara, no instante em que a objectiva vai fixar, de um e do outro, a imagem que nunca mais tornarão a ter, porque o dia seguinte será implacavelmente outro dia... Minha mãe apoia o cotovelo direito numa alta coluna e segura na mão esquerda, caída ao longo do corpo, uma flor. Meu pai passa o braço por trás das costas de minha mãe e a sua mão calosa aparece sobre o ombro dela como uma asa. Ambos pisam acanhados um tapete de ramagens. A tela que serve de fundo postiço ao retrato mostra umas difusas e incongruentes arquitecturas neoclássicas". E terminava: "Um dia tinha de chegar em que contaria estas coisas. Nada disto tem importância, a não ser para mim. Um avô berbere, vindo do Norte de Àfrica, um outro avô pastor de porcos, uma avó maravilhosamente bela, uns pais graves e formosos, uma flor num retrato - que outra genealogia pode importar-me? a que melhor árvore me encostaria?"
Escrevi estas palavras há quase trinta anos, sem outra intenção que não fosse reconstituir e registar instantes da vida das pessoas que me geraram e que mais perto de mim estiveram, pensando que nada mais precisaria de explicar para que se soubesse de onde venho e de que materiais se fez a pessoa que comecei por ser e esta em que pouco a pouco me vim tornando. Afinal, estava enganado, a biologia não determina tudo, e, quanto à genética, muito misteriosos deverão ter sido os seus caminhos para terem dado uma volta tão larga... À minha árvore genealógica (perdôe-se-me a presunção de a designar assim, sendo tão minguada a substância da sua seiva) não faltavam apenas alguns daqueles ramos que o tempo e os sucessivos encontros da vida vão fazendo romper do tronco central, também lhe faltava quem ajudasse as suas raízes a penetrar até às camadas subterrâneas mais fundas, quem apurasse a consistência e o sabor dos seus frutos, quem ampliasse e robustecesse a sua copa para fazer dela abrigo de aves migrantes e amparo de ninhos. Ao pintar os meus pais e os meus avós com tintas de literatura, transformando-os, de simples pessoas de carne e osso que haviam sido, em personagens novamente e de outro modo construtoras da minha vida, estava, sem o perceber, a traçar o caminho por onde as personagens que viesse a inventar, as outras, as efectivamente literárias, iriam fabricar e trazer-me os materiais e as ferramentas que, finalmente, no bom e no menos bom, no bastante e no insuficiente, no ganho e no perdido, naquilo que é defeito mas também naquilo é excesso, acabariam por fazer de mim a pessoa em que hoje me reconheço: criador dessas personagens, mas, ao mesmo tempo, criatura delas. Em certo sentido poder-se-á mesmo dizer que, letra a letra, palavra a palavra, página a página, livro a livro, tenho vindo, sucessivamente, a implantar no homem que fui as personagens que criei. Creio que, sem elas, não seria a pessoa que hoje sou, sem elas talvez a minha vida não tivesse logrado ser mais do que um esboço impreciso, uma promessa como tantas outras que de promessa não conseguiram passar, a existência de alguém que talvez pudesse ter sido e afinal não tinha chegado a ser.
Agora sou capaz de ver com clareza quem foram os meus mestres de vida, os que mais intensamente me ensinaram o duro ofício de viver, essas dezenas de personagens de romance e de teatro que neste momento vejo desfilar diante dos meus olhos, esses homens e essas mulheres feitos de papel e de tinta, essa gente que eu acreditava ir guiando de acordo com as minhas conveniências de narrador e obedecendo à minha vontade de autor, como títeres articulados cujas acções não pudessem ter mais efeito em mim que o peso suportado e a tensão dos fios com que os movia. Desses mestres, o primeiro foi, sem dúvida, um medíocre pintor de retratos que designei simplesmente pela letra H., protagonista de uma história a que creio razoável chamar de dupla iniciação (a dele, mas também, de algum modo, do autor do livro), intitulada Manual de Pintura e Caligrafia, que me ensinou a honradez elementar de reconhecer e acatar, sem ressentimento nem frustração, os meus próprios limites: não podendo nem ambicionando aventurar-me para além do meu pequeno terreno de cultivo, restava-me a possibilidade de escavar para o fundo, para baixo, na direcção das raízes. As minhas, mas também as do mundo, se podia permitir-me uma ambição tão desmedida. Não me compete a mim, claro está, avaliar o mérito do resultado dos esforços feitos, mas creio ser hoje patente que todo o meu trabalho, de aí para diante, obedeceu a esse propósito e a esse princípio.
Vieram depois os homens e as mulheres do Alentejo, aquela mesma irmandade de condenados da terra a que pertenceram o meu avô Jerónimo e a minha avó Josefa, componeses rudes obrigados a alugar a força dos braços a troco de um salário e de condições de trabalho que só mereceriam o nome de infames, cobrando por menos que nada a vida a que os seres cultos e civilizados que nos prezamos de ser apreciamos chamar, segundo as ocasiões, preciosa, sagrada ou sublime. Gente popular que conheci, enganada por uma Igreja tão cúmplice como beneficiária do poder do Estado e dos terratenentes latifundistas, gente permanentemente vigiada pela polícia, gente, quantas e quantas vezes, vítima inocente das arbitrariedades de uma justiça falsa. Três gerações de uma família de componeses, os Mau-Tempo, desde o começo do século até à Revolução de Abril de 1974 que derrubou a ditadura, passam nesse romance a que dei o título de Levantado do Chão, e foi com tais homens e mulheres do chão levantados, pessoas reais primeiro, figuras de ficção depois, que aprendi a ser paciente, a confiar e a entregar-me ao tempo, a esse tempo que simultaneamente nos vai construindo e destruindo para de novo nos construir e outra vez nos destruir. Só não tenho a certeza de haver assimilado de maneira satisfatória aquilo que a dureza das experiências tornou virtude nessas mulheres e nesses homens: uma atitude naturalmente estóica perante a vida. Tendo em conta, porém, que a liçao recebida, passados mais de vinte anos, ainda permanece intacta na minha memória, que todos os dias a sinto presente no meu espírito como uma insistente convocatória, não perdi, até agora, a esperança de me vir a tornar um pouco mais merecedor da grandeza dos exemplos de dignidade que me foram propostos na imensidão das planícies do Alentejo. O tempo o dirá.
Que outras lições poderia eu receber de um português que viveu no século XVI, que compôs as Rimas e as glórias, os naufrágios e os desencantos pátrios de Os Lusíadas, que foi um génio poético absoluto, o maior da nossa Literatura, por muito que isso pese a Fernando Pessoa, que a si mesmo se proclamou como o Super-Camões dela? Nenhuma lição que estivesse à minha medida, nenhuma lição que eu fosse capaz de aprender, salvo a mais simples que-me poderia ser oferecida pelo homem Luís Vaz de Camões na sua estreme humanidade, por exemplo, a humildade orgulhosa de um autor que vai chamando a todas as portas à procura de quem esteja disposto a publicar-lhe o livro que escreveu, sofrendo por isso o desprezo dos ignorantes de sangue e de casta, a indiferença desdenhosa de um rei e da sua companhia de poderosos, o escárnio com que desde sempre o mundo tem recebido a visita dos poetas, dos visionários e dos loucos. Ao menos uma vez na vida, todos os autores tiveram ou terão de ser Luís de Camões, mesmo se não escreveram as redondilhas de Sôbolos rios... Entre fidalgos da corte e censcores do Santo Ofício, entre os amores de antanho e as desilusões da velhice prematura, entre a dor de escrever e a alegria de ter escrito, foi a este homem doente que regressa pobre da Índia, aonde muitos só iam para enriquecer, foi a este soldado cego de um olho e golpeado na alma, foi a este sedutor sem fortuna que não voltará nunca mais a perturbar os sentidos das damas do paço, que eu pus a viver no palco da peça de teatro chamada Que farei com este livro?, em cujo final ecoa uma outra pergunta, aquela que importa verdadeiramente, aquela que nunca saberemos se alguma vez chegará a ter resposta suficiente: "Que fareis com este livro?" Humildade orgulhosa, foi essa de levar debaixo do braço uma obra-prima e ver-se injustamente enjeitado pelo mundo. Humildade orgulhosa também, e obstinada, estar de querer saber para que irão servir amanhã os livros que andamos a escrever hoje, e logo duvidar que consigam perdurar longamente (até quando?) as razões tranquilizadoras que acaso nos estejam a ser dadas ou que estejamos a dar a nós próprios. Ninguém melhor se engana que quando consente que o enganem os outros...
Aproximam-se agora um homem que deixou a mão esquerda na guerra e uma mulher que veio ao mundo com o misterioso poder de ver o que há por trás da pele das pessoas. Ele chama-se Baltasar Mateus e tem a alcunha de Sete-Sóis, a ela conhecem-na pelo nome de Blimunda, e também pelo apodo de Sete-Luas que lhe foi acrescentado depois, porque está escrito que onde haja um sol terá de haver uma lua, e que só a presença conjunta e harmoniosa de um e do outro tornará habitável, pelo amor, a terra. Aproxima-se também um padre jesuíta chamado Bartolomeu que inventou uma máquina capaz de subir ao céu e voar sem outro combustível que não seja a vontade humana, essa que, segundo se vem dizendo, tudo pode, mas que não pôde, ou não soube, ou não quis, até hoje, ser o sol e a lua da simples bondade ou do ainda mais simples respeito. São três loucos portugueses do século XVIII, num tempo e num país onde floresceram as superstições e as fogueiras da Inquisição, onde a vaidade e a megalomania de um rei fizeram erguer um convento, um palácio e uma basílica que haveriam de assombrar o mundo exterior, no caso pouco provável de esse mundo ter olhos bastantes para ver Portugal, tal como sabemos que os tinha Blimunda para ver o que escondido estava... E também se aproxima uma multidão de milhares e milhares de homens com as mãos sujas e calosas, com o corpo exausto de haver levantado, durante anos a fio, pedra a pedra, os muros implacáveis do convento, as salas enormes do palácio, as colunas e as pilastras, as aéreas torres sineiras, a cúpula da basílica suspensa sobre o vazio. Os sons que estamos a ouvir são do cravo de Domenico Scarlatti, que não sabe se deve rir ou chorar... Esta é a história de Memorial do Convento, um livro em que o aprendiz de autor, graças ao que lhe vinha sendo ensinado desde o antigo tempo dos seus avós Jerónimo e Josefa, já conseguiu escrever palavras como estas, donde não está ausente alguma poesia: "Além da conversa das mulheres, são os sonhos que seguram o mundo na sua órbita. Mas são também os sonhos que lhe fazem um coroa de luas, por isso o céu é o resplendor que há dentro da cabeça dos homens, se não é a cabeça dos homens o próprio e único céu". Que assim seja.
De lições de poesia sabia já alguma coisa o adolescente, aprendidas nos seus livros de texto quando, numa escola de ensino profissional de Lisboa, andava a preparar-se para o ofício que exerceu no começo da sua vida de trabalho: o de serralheiro mecânico. Teve também bons mestres da arte poética nas longas horas nocturnas que passou em bibliotecas públicas, lendo ao acaso de encontros e de catálogos, sem orientação, sem alguém que o aconselhasse, com o mesmo assombro criador do navegante que vai inventando cada lugar que descobre. Mas foi na biblioteca da escola industrial que O Ano da Morte de Ricardo Reis começou a ser escrito... Ali encontrou um dia o jovem aprendiz de serralheiro (teria então 17 anos) uma revista - "Atena" era o título - em que havia poemas assinados com aquele nome e, naturalmente, sendo tão mau conhecedor da cartografia literária do seu país, pensou que existia em Portugal um poeta que se chamava assim: Ricardo Reis. Não tardou muito tempo, porém, a saber que o poeta propriamente dito tinha sido um tal Fernando Nogueira Pessoa que assinava poemas com nomes de poetas inexistentes nascidos na sua cabeça e a que chamava heterónimos, palavra que não constava dos dicionários da época, por isso custou tanto trabalho ao aprendiz de letras saber o que ela significava. Aprendeu de cor muitos poemas de Ricardo Reis ("Para ser grande sê inteiro/Põe quanto és no mínimo que fazes"), mas não podia resignar-se, apesar de tão novo e ignorante, que um espírito superior tivesse podido conceber, sem remorso, este verso cruel: "Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo". Muito, muito tempo depois, o aprendiz, já de cabelos brancos e um pouco mais sábio das suas próprias sabedorias, atreveu-se a escrever um romance para mostrar ao poeta das Odes alguma coisa do que era o espectáculo do mundo nesse ano de 1936 em que o tinha posto a viver os seus últimos dias: a ocupaçao da Renânia pelo exército nazista, a guerra de Franco contra a República espanhola, a criação por Salazar das milícias fascistas portuguesas. Foi como se estivesse a dizer-lhe: "Eis o espectáculo do mundo, meu poeta das amarguras serenas e do cepticismo elegante. Disfruta, goza, contempla, já que estar sentado é a tua sabedoria...".
O Ano da Morte de Ricardo Reis terminava com umas palavras melancólicas: "Aqui, onde o mar se acabou e a terra espera". Portanto, não haveria mais descobrimentos para Portugal, apenas como destino uma espera infinita de futuros nem ao menos imagináveis: só o fado do costume, a saudade de sempre, e pouco mais... Foi então que o aprendiz imaginou que talvez houvesse ainda uma maneira de tornar a lançar os barcos à água, por exemplo, mover a própria terra e pô-la a navegar pelo mar fora. Fruto imediato do ressentimento colectivo português pelos desdéns históricos de Europa (mais exacto seria dizer fruto de um meu ressentimento pessoal...), o romance que então escrevi - A Jangada de Pedra - separou do continente europeu toda a Península Ibérica para a transformar numa grande ilha flutuante, movendo-se sem remos, nem velas, nem hélices em direcção ao Sul do mundo, "massa de pedra e terra, coberta de cidades, aldeias, rios, bosques, fábricas, matos bravios, campos cultivados, com a sua gente e os seus animais", a caminho de uma utopia nova: o encontro cultural dos povos peninsulares com os povos do outro lado do Atlântico, desafiando assim, a tanto a minha estratégia se atreveu, o domínio sufocante que os Estados Unidos da América do Norte vêm exercendo naquelas paragens... Uma visão duas vezes utópica entenderia esta ficção política como uma metáfora muito mais generosa e humana: que a Europa, toda ela, deverá deslocar-se para o Sul, a fim de, em desconto dos seus abusos colonialistas antigos e modernos, ajudar a equilibrar o mundo. Isto é, Europa finalmente como ética. As personagens da Jangada de Pedra - duas mulheres, três homens e um cão - viajam incansavelmente através da península enquanto ela vai sulcando o oceano. O mundo está a mudar e eles sabem que devem procurar em si mesmos as pessoas novas em que irão tornar-se (sem esquecer o cão, que não é um cão como os outros...). Isso lhes basta.
Lembrou-se então o aprendiz de que em tempos da sua vida havia feito algumas revisões de provas de livros e que se na Jangada de Pedra tinha, por assim dizer, revisado o futuro, não estaria mal que revisasse agora o passado, inventando um romance que se chamaria História do Cerco de Lisboa, no qual um revisor, revendo um livro do mesmo título, mas de História, e cansado de ver como a dita História cada vez é menos capaz de surpreender, decide pôr no lugar de um "sim" um "não", subvertendo a autoridade das"verdades históricas". Raimundo Silva, assim se chama o revisor, é um homem simples, vulgar, que só se distingue da maioria por acreditar que todas as coisas têm o seu lado visível e o seu lado invisível e que não saberemos nada delas enquanto não lhes tivermos dado a volta completa. De isso precisamente se trata numa conversa que ele tem com o historiador. Assim: "Recordo-lhe que os revisores já viram muito de literatura e vida, O meu livro, recordo-lho eu, é de história, Não sendo propósito meu apontar outras contradições, senhor doutor, em minha opinião tudo quanto não for vida é literatura, A história também. A história sobretudo, sem querer ofender, E a pintura, e a música, A música anda a resistir desde que nasceu, ora vai, ora vem, quer livrar-se da palavra, suponho que por inveja, mas regressa sempre à obediência, E a pintura, Ora, a pintura não é mais do que literatura feita com pincéis, Espero que não esteja esquecido de que a humanidade começou a pintar muito antes de saber escrever, Conhece o rifão, se não tens cão caça com o gato, ou, por outras palavras, quem não pode escrever, pinta, ou desenha, é o que fazem as crianças, O que você quer dizer, por outras palavras, é que a literatura já existia antes de ter nascido, Sim senhor, como o homem, por outras palavras, antes de o ser já o era, Quer-me parecer que você errou a vocação, devia era ser historiador, Falta-me o preparo, senhor doutor, que pode um simples homem fazer sem o preparo, muita sorte já foi ter vindo ao mundo com a genética arrumada, mas, por assim dizer, em estado bruto, e depois não mais polimento que primeiras letras que ficaram únicas, Podia apresentar-se como autodidacta, produto do seu próprio e digno esforço, não é vergonha nenhuma, antigamente a sociedade tinha orgulho nos seus autodidactas, isso acabou, veio o desenvolvimento e acabou, os autodidactas são vistos com maus olhos, só os que escrevem versos e histórias para distrair é que estão autorizados a ser autodidactas, mas eu para a criação literária nunca tive jeito, Então, meta-se a filósofo, O senhor doutor é um humorista, cultiva a ironia, chego a perguntar-me como se dedicou à história, sendo ela tão grave e profunda ciência, Sou irónico apenas na vida real, Bem me queria a mim parecer que a história não é a vida real, literatura, sim, e nada mais, Mas a história foi vida real no tempo em que ainda não se lhe poderia chamar história, Então o senhor doutor acha que a história e a vida real, Acho, sim, Que a história foi vida real, quero dizer, Não tenho a menor dúvida, Que seria de nós se o deleatur que tudo apaga não existisse, suspirou o revisor". Escusado será acrescentar que o aprendiz aprendeu com Raimundo Silva a lição da dúvida. Já não era sem tempo.
Ora, foi provavelmente esta aprendizagem da dúvida que o levou, dois anos mais tarde, a escrever O Evangelho segundo Jesus Cristo. É certo, e ele tem-no dito, que as palavras do título lhe surgiram por efeito de uma ilusão de óptica, mas é legítimo interrogar-nos se não teria sido o sereno exemplo do revisor o que, nesse meio tempo, lhe andou a preparar o terreno de onde haveria de brotar o novo romance. Desta vez não se tratava de olhar por trás das páginas do Novo Testamento à procura de contrários, mas sim de iluminar com uma luz rasante a superfície delas, como se faz a uma pintura, de modo a fazer-lhe ressaltar os relevos, os sinais de passagem, a obscuridade das depressões. Foi assim que o aprendiz, agora rodeado de personagens evangélicas, leu, como se fosse a primeira vez, a descrição da matança dos Inocentes, e, tendo lido, não compreendeu. Não compreendeu que já pudesse haver mártires numa religião que ainda teria de esperar trinta anos para que o seu fundador pronunciasse a primeira palavra dela, não compreendeu que não tivesse salvado a vida das crianças de Belém precisamente a única pessoa que o poderia ter feito, não compreendeu a ausência, em José, de um sentimento mínimo de responsabilidade, de remorso, de culpa, ou sequer de curiosidade, depois de voltar do Egipto com a família. Nem se poderá argumentar, em defesa da causa, que foi necessário que as crianças de Belém morressem para que pudesse salvar-se a vida de Jesus: o simples senso comum, que a todas as coisas, tanto às humanas como às divinas, deveria presidir, aí está para nos recordar que Deus não enviaria o seu Filho à terra, de mais a mais com o encargo de redimir os pecados da humanidade, para que ele viesse a morrer aos dois anos de idade degolado por um soldado de Herodes... Nesse Evangelho, escrito pelo aprendiz com o respeito que merecem os grandes dramas, José será consciente da sua culpa, aceitará o remorso em castigo da falta que cometeu e deixar-se-á levar à morte quase sem resistência, como se isso lhe faltasse ainda para liquidar as suas contas com o mundo. O Evangelho do aprendiz não é, portanto, mais uma lenda edificante de bem-aventurados e de deuses, mas a história de uns quantos seres humanos sujeitos a um poder contra o qual lutam, mas que não podem vencer. Jesus, que herdará as sandálias com que o pai tinha pisado o pó dos caminhos da terra, também herdará dele o sentimento trágico da responsabilidade e da culpa que nunca mais o abandonará, nem mesmo quando levantar a voz do alto da cruz: " Homens, perdoai-lhe porque ele não sabe o que fez", por certo referindo-se ao Deus que o levara até ali, mas quem sabe se recordando ainda, nessa agonia derradeira, o seu pai autêntico, aquele que, na carne e no sangue, humanamente o gerara. Como se vê, o aprendiz já tinha feito uma larga viagem quando no seu herético Evangelho escreveu as últimas palavras do diálogo no templo entre Jesus e o escriba: "A culpa é um lobo que come o filho depois de ter devorado o pai, disse o escriba, Esse lobo de que falas já comeu o meu pai, disse Jesus, Então só falta que te devore a ti, E tu, na tua vida, foste comido, ou devorado, Não apenas comido e devorado, mas vomitado, respondeu o escriba".
Se o Imperador Carlos Magno não tivesse estabelecido no Norte da Alemanha um mosteiro, se esse mosteiro não tivesse dado origem à cidade de Münster, se Münster não tivesse querido assinalar os mil e duzentos anos da sua fundação com uma ópera sobre a pavorosa guerra que enfrentou no século XVI protestantes anabaptistas e católicos, o aprendiz não teria escrito a peça de teatro a que chamou In Nomine Dei. Uma vez mais, sem outro auxílio que a pequena luz da sua razão, o aprendiz teve de penetrar no obscuro labirinto das crenças religiosas, essas que com tanta facilidade levam os seres humanos a matar e a deixar-se matar. E o que viu foi novamente a máscara horrenda da intolerância, uma intolerância que em Münster atingiu o paroxismo demencial, uma intolerância que insultava a própria causa que ambas as partes proclamavam defender. Porque não se tratava de uma guerra em nome de dois deuses inimigos, mas de uma guerra em nome de um mesmo deus. Cegos pelas suas próprias crenças, os anabaptistas e os católicos de Münster não foram capazes de compreender a mais clara de todas as evidências: no dia do Juízo Final, quando uns e outros se apresentarem a receber o prémio ou o castigo que mereceram as suas acções na terra, Deus, se em suas decisões se rege por algo parecido à lógica humana terá de receber no paraíso tanto a uns como aos outros, pela simples razão de que uns e outros nele crêem. A terrível carnificina de Münster ensinou ao aprendiz que, ao contrário do que prometeram, as religiões nunca serviram para aproximar os homens, e que a mais absurda de todas as guerras é uma guerra religiosa, tendo em consideração que Deus não pode, ainda que o quisesse, declarar guerra a si próprio...
Cegos. O aprendiz pensou: "Estamos cegos", e sentou-se a escrever o Ensaio sobre a Cegueira para recordar a quem o viesse a ler que usamos perversamente a razão quando humilhamos a vida, que a dignidade do ser humano é todos os dias insultada pelos poderosos do nosso mundo, que a mentira universal tomou o lugar das verdades plurais, que o homem deixou de respeitar-se a si mesmo quando perdeu o respeito que devia ao seu semelhante. Depois, aprendiz, como se tentasse exorcizar os monstros engendrados pela cegueira da razão, pôs-se a escrever a mais simples de todas as histórias: uma pessoa que vai à procura de outra pessoa apenas porque compreendeu que a vida não tem nada mais importante que pedir a um ser humano. O livro chama-se Todos os Nomes. Não escritos, todos os nossos nomes estão lá. Os nomes dos vivos e os nomes dos mortos.
Termino. A voz que leu estas páginas quis ser o eco das vozes conjuntas das minhas personagens. Não tenho, a bem dizer, mais voz que a voz que elas tiverem. Perdoai-me se vos pareceu pouco isto que para mim é tudo.
José Saramago, Prémio Nobel da Literatura 1998
Obrigada Rui Pedro pela sugestão.