«Não pôde impedir-se de sentir um arrepio de pânico. Era absurdo, pois o facto de ter escrito aquelas palavras não seria mais perigoso do que o acto inicial de abrir o diário; mas por momentos esteve tentado a arrancar as páginas usadas e abandonar de vez o intento.
Não o fez, todavia, pois sabia que era inútil. Quer escrevesse ABAIXO O GRANDE IRMÃO, quer se coibisse, não fazia diferença. Tanto adiantava que continuasse com o diário como não. Fosse como fosse, a Polícia do Pensamento haveria de o apanhar. Tinha cometido - e teria cometido na mesma, ainda que nunca tivesse pegado na caneta - o crime essencial que continha em si todos os outros. Pensarcrime, assim lhe chamavam. O pensarcrime não era uma coisa que se pudesse esconder eternamente. Uma pessoa podia esquivar-se com êxito durante algum tempo, durante anos até, mas mais tarde ou mais cedo seria fatalmente apanhada.
Acontecia sempre durante a noite - as prisões executavam-se invarialvelmente à noite. O despertar em sobressalto, a mão rude a abanar-nos o ombro, as luzes cruas a ferir-nos os olhos, o círculo de rostos duros à volta da cama. Na esmagadora maioria dos casos não se procedia a julgamento, nem auto de prisão. As pessoas limitavam-se a desaparecer, sempre durante a noite. O nome era apagado dos arquivos, suprimido todo e qualquer registo do que a pessoa alguma vez tivesse feito, negado e depois esquecido o facto de alguma vez ter existido tal indivíduo. A pessoa era abolida, aniquilada: vaporizada, o termo geralmente usado. »
George Orwell, 1984, Colecção Mil Folhas, P. 23
Não o fez, todavia, pois sabia que era inútil. Quer escrevesse ABAIXO O GRANDE IRMÃO, quer se coibisse, não fazia diferença. Tanto adiantava que continuasse com o diário como não. Fosse como fosse, a Polícia do Pensamento haveria de o apanhar. Tinha cometido - e teria cometido na mesma, ainda que nunca tivesse pegado na caneta - o crime essencial que continha em si todos os outros. Pensarcrime, assim lhe chamavam. O pensarcrime não era uma coisa que se pudesse esconder eternamente. Uma pessoa podia esquivar-se com êxito durante algum tempo, durante anos até, mas mais tarde ou mais cedo seria fatalmente apanhada.
Acontecia sempre durante a noite - as prisões executavam-se invarialvelmente à noite. O despertar em sobressalto, a mão rude a abanar-nos o ombro, as luzes cruas a ferir-nos os olhos, o círculo de rostos duros à volta da cama. Na esmagadora maioria dos casos não se procedia a julgamento, nem auto de prisão. As pessoas limitavam-se a desaparecer, sempre durante a noite. O nome era apagado dos arquivos, suprimido todo e qualquer registo do que a pessoa alguma vez tivesse feito, negado e depois esquecido o facto de alguma vez ter existido tal indivíduo. A pessoa era abolida, aniquilada: vaporizada, o termo geralmente usado. »
George Orwell, 1984, Colecção Mil Folhas, P. 23
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