Um poema?
É para já. Poema
só pede inspiração
não é problema
ou teorema matemático.
Poema é liberdade
e vamos a ele
que se faz tarde.
Posso optar pelo dramático:
a morte
o ciúme
ou a má sorte
quando costume.
Em boa verdade
não faltam temas
para os poemas:
pôr-do-sol, lua cheia
as flores
odores
ondas na areia
o amor
pois, o amor.
Não é tema absoleto
e puxa até para o soneto.
Confesso-me indeciso.
Paria já um poema
sobre o dilema
se fosse preciso.
Mas não é o rumo.
Fumo e penso
penso e fumo.
O poema que quero
tem de ser um grito
imenso
infinito
sincero.
Talvez protesto social.
Esquece.
É boa briga
mas não me parece
que consiga
ser original.
Decide-te: o quê?
Deixa, logo se vê.
Logo, não. Agora.
Empurra-me isso
do compromisso
e chegou a hora.
Então, pronto,
Só preciso de calma,
Poema também é conto
O poeta conta
enlevo ou afronta
que lhe vai na alma.
Já sei: a mulher
com quem me cruzei
uma tarde qualquer
na rua da Prata,
carnudos os lábios
olhos de gata
os passos sábios
caminha elegante
ondulante
cabelo solto
revolto
despenteado
anca estreita
cintura perfeita
rabo alçado.
Um manequim.
Passeava-se à toa
sandálias modernas
e quanto a pernas
- as melhores de Lisboa.
Mulher assim
nem no cinema.
Vale um poema.
Mário Zambujal in Tantas Mãos, a mesma Primavera, Oficina do Livro, P.80
1 comentário:
As mulheres, sempre as mulheres. Parece que o tema preferido de Mário Zambujal são mesmo as mulheres...
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